Flores Raras num campo de lírios iguais

17 de mar. de 2015

“Perca um pouco a cada dia. Aceite austero (…) A arte de perder não é nenhum mistério.”

      Em 2013, Bruno Barreto, em conjunto com a Globo Filmes, abordou de forma excepcional o homossexualismo ao produzir “Flores Raras”. Além de tratar da relação afetiva entre duas mulheres na década de 50, quando a sociedade não admitia a homossexualidade, o filme vai além e traz o amor como conflito e solução.
A solitária poetisa Elizabeth Bishop deixa os Estados Unidos para passar uma temporada no Brasil à procura de inspiração, descanso e fuga da realidade. Assim que chega ao Rio de Janeiro, sua amiga de faculdade, Mary busca-a acompanhada de sua companheira Lota. Mary é delicada e mal fala português, já Lota é brasileira e dona de uma personalidade forte. Apesar do estranhamento incial, a insegura Elizabeth acha o que faltava em si em Lota, e vice-versa, originando um relacionamento que desafia a sociedade e muda a vida de ambas.
Após a morte do pai aos oito meses e a internação da mãe aos cinco anos, Elizabeth cresce como uma mulher sem amor. A americana recorre à bebida alcoólica como seu ponto de fuga e, assim, tende a tornar-se cada vez mais dependente ao longo de sua vida. Apesar de poetisa, Bishop tem dificuldade de demonstrar o amor, uma vez que perdeu seus pais muito cedo, e só fala a Lota que a ama quando esta se encontra dormindo. Vemos, ao longo da trama, a dependência e submissão de Elizabeth dando lugar à uma personalidade semelhante à de sua companheira, não se sabe se motivada pelo sucesso literário ou se apenas resolveu deixar de sofrer.
Paralelamente ao conflito principal, o amor entre as duas mulheres, há a questão do Golpe Militar (1964), quando o então presidente João Goulart foi deposto e os militares assumiram o controle do país, fato que atingiu diretamente as personagens. O acontecimento tornou evidente a diferença ideológica entre norte americanos e brasileiros. Enquanto Lota comemora a intervenção militar, Bishop é totalmente contrária ao fato, uma vez que priva a liberdade da população. Para um estadunidense nacionalista, os brasileiros comemorarem o fim de sua liberdade é “fora de proporção”, como diz a própria poetisa.
Há aqueles que digam que o filme é confuso por ser rápido demais, principalmente quando Lota e Bishop se apaixonam, enquanto na cena anterior ainda não simpatizavam uma com a outra. Lota é impulsiva e inconsequente, por isso corre atrás do que quer sem levar em consideração o dia de amanhã, o que explica a aparente aceleração cronológica. A brasileira fica entre permanecer com Mary, na qual encontra segurança, ou embarcar na paixão quase que estritamente carnal por Elizabeth, tentando manter os dois relacionamentos simultaneamente durante a trama inteira. Tão incrível quanto a história, a atuação de Glória Pires, como Lota, e Miranda Otto, como Elizabeth, chama a atenção, principalmente no quesito linguístico, já que a transição inglês-português de ambas é quase que fluente.
O homossexualismo dos anos 50 e 60 era mal visto, enquanto hoje já é mais aceitado por uma parte considerável da população, mas isso não quer dizer que a sociedade em geral é menos intolerante. Pesquisas mostraram que em 2013 houve 313 homicídios de LGBTs no Brasil. Para uma sociedade que se diz tão evoluída, por que isso ainda acontece? O desrespeito do século passado acabou se transformando na violência e ódio gratuito do século XXI, assim que a sociedade reconheceu a existência da homoafetividade, as pessoas passaram a agir como sempre agem diante a algo novo, repudiaram-na. A aversão ao diferente é típica da sociedade medieval, da qual parece que não saímos ainda. . Enquanto a ideologia da sociedade contemporânea continuar como a de uma da Idade Média, nada vai mudar.
“Flores Raras”, além de tratar da história e cultura brasileira, ensina a lidar com perdas. Todas as personagens, assim como nós, perdem coisas e pessoas o tempo todo. Mas, como Bishop diz: “A arte de perder não é um desastre.”



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