As últimas flores

16 de jan. de 2015

Eu não sei porque, mas senti uma vontade enorme de ir até a floricultura apenas para sentir o cheiro das flores. E lá estava ela no balcão com aquele sorriso extremamente doce e os lábios tão rosados que por um minuto me perdi. Quando descobri o seu nome, senti a mesma sensação de quando ganhei o meu primeiro livro. Não tem como descrever. Duas semanas depois aquele sorriso já me pertencia, ninguém mais poderia roubá-lo. Se encantava com qualquer coisa boba: O toque em sua mão com os meus lábios selando a ponta do seu nariz num gesto de carinho, quando abria a porta do carro para entrar e até mesmo quando retirava o meu chapéu ao vê-la pela primeira vez. O meu dia só ficava completo quando via o seu sorriso. Três meses depois já podia segurar na sua mão e sentir o trincar das nossas alianças. Todos os dias acordava, olhava para o lado e passava os dedos em seus cabelos louros. Era como se estivesse sonhando acordado. Decidimos que plantaríamos um enorme jardim em frente a nossa casa e assim o fizemos. Cada rosa, cada flor. Tudo foi feito por nós. As cores chamavam atenção de qualquer que passasse na rua. Num certo dia, jurei ter visto uma flor sorrir quando minha esposa passou por perto e não duvidaria se isso realmente tivesse acontecido, afinal ela tem um dom de deixar qualquer um feliz apenas por ver aquele lindo gesto. Trinta anos se passaram e eu continuava apaixonado por aquela mulher. Cada fio branco em seus cabelos que outrora fora loiro, me fazia suspirar e "as curvas" mais lindas dos lábios rosados continuavam nela. As suas mãos, embora trêmulas, ainda tocavam nas minhas e deixava soar o trinco das alianças. Mesmo depois de tanto tempo, o nosso jardim ainda era perfumado e as flores continuavam alegres. Me lembro de quando disse que, enquanto aquele jardim perdurasse, o amor jamais acabaria. Não existem dúvidas sobre isso. Não sei o que aconteceu, mas os seus lábios já não tinham mais a cor e não se erguiam naquele seu majestoso sorriso. Suas pernas não tinham forças para se erguer e nem suas mãos seguravam nas minhas. Os médicos disseram que tudo ficaria bem e que nada iria nos separar. Ela olhou para mim naquela cama fria e sorriu mais uma vez. Embora o seu sorriso tivesse perdido a cor, continuava linda. Mas algo estava errado, sabia disto. E ao chegar em casa, soube: Pela primeira vez as flores do nosso jardim havia murchado e agora tudo não passava de cinzas.





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