Carnaval sem alegoria

4 de jan. de 2015






Olha, eu não queria que você voltasse, que você mentisse ou que você não tivesse me magoado. Eu só queria que você tivesse se importado. Queria que tivesse doído. Que tivesse ardido. Que tivesse ferido. Eu queria que você também fosse tão atingido quanto eu. Eu desejei que você sofresse e que me visse sofrendo para, quem sabe, se preocupar um pouquinho comigo. Eu mendiguei sua atenção em todos os bares da vida e você se fez distante. Eu desejei que toda a minha dor saísse para fora do corpo e se expusesse, fosse à tona. Desejei que minha dor fosse matéria de jornais e que minha mãe te ligasse de madrugada só pra dizer “você acabou com a minha filha”, para quem sabe assim você se importar, você repensar, você notar a merda que estava fazendo.


Mas acontece que minha dor foi só mais uma em meio à várias que vemos por aí. Passou despercebida por todos, menos por mim. Minha dor foi drama. Foi prosa. Foi poesia. Minha dor foi música. Foi samba. Foi carnaval sem alegoria. Minha dor foi frágil. Foi grande. Foi, para os outros, pequenina. Minha dor foi choro. Foi pranto. Foi insônia, metaforicamente, antônimo de alegria. Minha dor foi tudo, porém foi somente minha.


E, cara, eu só queria que minha dor fosse a tua dor também. Entende? Queria te ver sofrendo, não por maldade, mas apenas para ter certeza que, um dia, chegou a ser real o que disse sentir por mim. Eu queria te ver desesperado, implorando para que eu ficasse bem. Mas eu te vi em bares sempre com olhar de desdém. Você foi sujo. Foi egoísta. Imaturo e infantil. E você foi a pior coisa que uma mulher pode desejar num relacionamento: racional. Você foi racional para terminar e para seguir sua vida também. Sem nenhum pingo de emoção, deixou a porta aberta ao sair dizendo que empresas que deixam de dar lucros, tendem a serem fechadas mesmo. Então foi isso? Eu simplesmente deixei de te dar lucros e você decidiu seguir feliz? Sim, foi exatamente isso – descobri dias depois.


Mas olha só, moreno, não leve a mal, acontece que, mesmo sendo o cara mais babaca que já pensei em conhecer, você ainda faz meu coração acelerar de um modo ridiculamente trouxa. E, segundo minha mãe, eu também não colaboro para o desapego. Você se foi e nem fechou a porta. Eu grunhi de dor e nem saí no jornal. Você se explicou por três horas e eu não entendi. Você beijou outra e eu nem me ofendi. Eu implorei e você não cedeu. Você pisou e eu lambi. Eu chorei e você só se pôs a sorrir. Você nos matou e eu me dispus a morrer um pouco mais a cada dia sem você.


E, sabe, aqui em casa ainda tem restos teus personificados em vários objetos que me recuso a matar. Você esqueceu o chinelo e eu o usei. Você esqueceu o moletom e eu o lavei. Você lia jornal e eu ainda o compro todos os dias. Você não ingeria açúcar e eu ainda faço meu café amargo. Eu só lamento por você, pois duvido que qualquer outra faria o que fiz, aguentaria o que aguentei, te trataria como tratei, e amaria como… Como ainda te amo. Porque, infelizmente, não sou boa o bastante para não conjugar o verbo “amar” no presente.


Então é isso. Talvez a minha vida seja somente isso mesmo: viver à espera de que você se dê conta de tudo que perdeu ao me perder. Ou que pelo menos volte para buscar seu moletom, entre, tome um café amargo, acabe deitado no meu peito por um deslize humano e decida ficar para o café da manhã. E vai ficando. Ficando. E fica só mais um pouco, pois, como diria o Chico, quem sabe um dia, por descuido ou poesia, você goste de ficar.

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